terça-feira, 10 de julho de 2012

O vaso.


"O vaso quebrou. Você, sem querer ou querendo, esbarrou no vaso e ele tombou no chão, se partindo em pedacinhos. Mas eu gostava tanto daquele vaso, mas tanto, que na esperança de tê-lo de volta me pus a catar os cacos espalhados pelo chão e colá-los um a um. Você até que me ajudou. Comprou uma tinta para cobrir o vaso na esperança de disfarçar as remendas. Mas de nada adiantou. Depois de pronto lá estava o meu vaso, que já não era mais meu - eu já não o reconhecia mais. Mas meu apego àquele vaso era tão grande que eu ainda insisti, por algum tempo, em deixá-lo na sala, no seu lugar de sempre, na mesa de centro. O tempo foi passando e ele foi se enchendo de poeira. Limpei-o algumas vezes, mas depois, o que antes era uma satisfação pra mim, limpar o vaso, meu vaso tão querido, se tornou uma tarefa cansativa porque ele já não respondia mais ao meu apelo, já não brilhava mais. Foi então que me dei conta de que não fazia mais sentindo deixá-lo ali, no melhor lugar da sala. Talvez a tinta que você comprou fosse vagabunda demais, talvez esse vaso que você me deu fosse, apesar de bonito, frágil demais. Ou talvez eu, na minha pieguice, tenha depositado todas as minhas expectativas no pobre do vaso. Não consegui me desfazer do vaso porque, por de trás daquela tinta, ainda viam-se vestígios da pintura original que tanto me encantara um dia. Mas tirei o vaso da sala, da mesa de centro, embrulhei-o num jornal velho e guardei no fundo do armário, no mesmo lugar onde guardo meus brinquedos favoritos de quando menina, meus rabiscos, cartas pra mamãe, papai, vovó... Um lugar que quando mexo me dá alergia, mas que eu gosto de lembrar. O mais engraçado é que na última vez que você esteve aqui, você nem reparou que o vaso já não estava mais lá no seu lugar. Você nem deu falta do vaso, o vaso que você me dera. O vaso que eu julgara ser importante pra você também. Não era. Ou não é mais. Então, lá estará ele a partir de agora, no meu depósito de lembranças."

Thaysa.

sábado, 29 de outubro de 2011


"[...]Há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo. Pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada com uma alma intensa, violenta, atormentada. Uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade; sei lá de quê!"

Florbela Espanca

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Canção desse rumor.



Quem - estando ausente - entra no quarto,
quem deita ao meu lado,
quem passa no meu coração seus lábios quentes,
quem desperta em mim as feras todas,
quem me rasga e cura,
quem me atrai?

Quem murmurava na treva e acende estrelas,
quem me leva em marés de sono e riso,
quem invade meu dia após a noite,
quem vem - estando ausente -
e nunca vai?

Lya Luft

sábado, 3 de setembro de 2011

Um dia o circo acaba.

Pinto a cara com a mais brilhante das tintas
para esconder minhas muitas sombras.
Uso uma roupa bem espalhafatosa
para me proteger do medo e da solidão.
E torço para que este nariz vermelho
tão redondo e engraçado
faça o público perdoar minha feiura.

Se faço contorcionismos impossíveis,
se me sujo, tropeço, escorrego
ou bato em mim mesmo com um martelo de brinquedo
não é apenas para fazer rir.
É para acalmar dores muito antigas.
Pois só no picadeiro eu sei fingir
que não sou covarde demais para os saltos dos trapezistas
ou que não sou uma parasita
sugando gargalhadas pra se manter de pé.

E espero que em algum momento
entre o aplauso e o fechar das cortinas,
eu consiga ser feliz.

José Calazans.
ps: estou apaixonada por palhaços.

domingo, 21 de agosto de 2011

Lágrimas vivas.



"Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto."

Martha Medeiros

quarta-feira, 3 de agosto de 2011



Uma borboleta pousou no corrimão bem ao meu alcance.
Prendi-a pelas asas mas tremeu que soltei-a.
Saiu voando buleversada como se tivesse ficado cem anos presa.
Nos meus dedos, o pó prateado.
Tão breve tudo.
Prendi assim a alegria, ainda há pouco foi minha mas se debateu tanto que abri os dedos antes que se ferisse, não se pode forçar.
Um pouco mais que se aperte e não fica só o pó, mas a alma.
Entro na minha concha.

TELLES. Lygia Fagundes, 1923 - As meninas.

quinta-feira, 28 de julho de 2011


Quando ela se foi, deixando-o sozinho,
chamou o jardineiro e mandou cortar a enorme mangueira do quintal,
que todos os anos cobria o chão com seus frutos.
Depois chamou o pedreiro e mandou destelhar a casa.
Chamou os vizinhos e deu-lhes todos os móveis, menos um.
No quarto vazio, onde agora chovia, fazia sol e breve começariam a nascer musgos,
começou então a viver sua vida de anacoreta,
esmerando-se em ocupar, de braços e pernas abertas, todos o espaço da cama de casal.

COLASANTI. Marina,
Contos de amor rasgados.